Realizou-se na manhã do passado dia 6 de Outubro a audiência solicitada pela Associação Portuguesa de Telemedicina (APT) à Comissão de Saúde da Assembleia da República por ocasião da publicação do Estudo de opinião dos médicos sobre o uso da teleconsulta durante a 1ª fase da pandemia COVID-19 e do lançamento do Caderno APT n.º 1 – Telemedicina, Telessaúde e Transformação Digital na Saúde: Conceitos e Práticas | Regulação e Ética.

Fernando Mota *

Coimbra, 7 de Outubro de 2021

A propósito da publicação do Caderno APT n.º 1 e da anterior publicação do estudo de opinião dos médicos sobre o uso da teleconsulta na primeira fase da pandemia, a APT pediu uma audiência à Comissão Parlamentar da Saúde a fim de apresentar ambas as publicações e debater o estado de desenvolvimento e implantação da telemedicina / telessaúde no País.

A audiência decorreu no dia 6 de Outubro pelas 10 horas da manhã, tendo como ponto de partida a intervenção do Presidente da Associação, Eduardo Castela, que efectuou uma apresentação da APT, abordando a respectiva génese – a Cardiologia Pediátrica em Coimbra, a motivação, os sócios fundadores, os objectivos, as principais actividades: os Encontros Nacionais de Telemedicina, os workshops, o Estudo de Opinião dos médicos sobre o uso da telemedicina, os livros editados: os “20 anos de Telecardiologia Pediátrica em Portugal” e o mais recente Caderno APT n.º 1.

O Presidente da APT, de entre as actividades desenvolvidas deu destaque a dois importantes eventos da vida da Associação:

  • a homenagem ao Dr. António Arnaut efectuada no V Encontro Nacional de Telemedicina, a 30 de Setembro de 2016 – a última homenagem pública, em vida do homenageado, tendo-se descerrado uma placa alusiva no átrio do Museu de Conimbriga, com a presença do homenageado, do Presidente da Câmara de Condeixa-a-Nova, e dos sócios fundadores da Associação: Dr.ª Maria de Belém Roseira, Prof. Agostinho Almeida Santos, Prof. José Manuel Silva e o Presidente da Associação, Dr. Eduardo Castela.

  • A sessão de homenagem ao Prof. Dr. Agostinho Almeida Santos – que, durante vários anos foi Presidente da Assembleia Geral da Associação Portuguesa de Telemedicina, e que contou com a participação de destacadas personalidades, designadamente o Bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, a ex-Ministra da Saúde, Maria de Belém Roseira, o ex-Presidente da República de Cabo Verde, Pedro Pires e o ex-Presidente da República Portuguesa, General Ramalho Eanes, a que se juntaram o Presidente da APT, Eduardo Castela e o Presidente do CHUC, Fernando Regateiro.

Seguidamente, o Presidente da APT abordou resumidamente as principais conclusões do Estudo de Opinião, destacando a representatividade da amostra, os 94% dos médicos inquiridos que realizaram teleconsultas e, destes, os 99% que recorreram ao telefone para as efectuar, o que, não sendo o meio adequado para consulta, surge justificado pela necessidade absoluta de acompanhar os doentes na situação pandémica que se viveu.

Destacou ainda o nível de satisfação global da teleconsulta (num intervalo entre 84,4% e 49,5%) e os indicadores de motivação para continuar a realizar teleconsultas: 70%, dos quais 53,26 considera que deve ser usada a vídeoconsulta.

Alertou para os resultados relativos à utilização das ferramentas tecnológicas para a teleconsulta, que revelam o quase total desconhecimento da sua existência, e para o recurso a plataformas absolutamente inseguras, sem garantir a confidencialidade e o sigilo requeridos.

Expressou ainda a percepção que os níveis de utilização da teleconsulta tendem a baixar após a pandemia, mantendo-se, ou até incrementando, a utilização da telemonitori-zação nas variadas patologias em que se aplica.

Seguidamente o Vice-presidente, Fernando Mota, fez uma pequena apresentação do Caderno APT n.º 1 salientando o modo como surgiu a preparação e edição do presente volume, e descrevendo sumariamente a estrutura do livro e o conteúdo que cada capítulo aborda.

E finalizou a intervenção original da APT enunciando as preocupações primárias da Associação que influenciaram o pedido de audiência à Comissão:

  • A regulação da lei de bases da saúde que, para além da regulação dos sistemas locais, deverá incluir a telemedicina (TM) como meio complementar de prestação de cuidados de saúde;
  • A construção de uma visão comum para a telessaúde com a intervenção de todos os actores envolvidos na prestação de cuidados de saúde à distância – profissionais de saúde, cidadãos (utentes), corpos técnicos de suporte, na construção dos modelos práticos de implantação das soluções de TM;
  • A convicção da APT de que o alojamento do Centro Nacional de Telessaúde (CNTS) na SPMS é um contrassenso, perante o estatuto empresarial desta Empresa Pública do Estado e as respectivas atribuições;
  • A necessidade da criação de uma estrutura responsável no País pela Transformação Digital na Saúde representativa e com a participação dos actores intervenientes no processo – desde cidadãos a profissionais;
  • O reforço do programa de literacia para profissionais e utentes / cidadãos para reforçar as competências digitais e em saúde;
  • O estabelecimento dos critérios clínicos de elegibilidade, quer pela Ordem dos Médicos (OM) e Sociedades Científicas quer pelos órgãos do Ministério da Saúde, designadamente a Direcção Geral da Saúde (DGS);
  • Regulação e ética: a dinamização do papel da DGS, da OM e das Sociedades Científicas;
  • Formação Médica: dinamizar o papel das universidades e do Ministério da Saúde designadamente por intermédio da Administração Central do Sistema de Saúde, IP (ACSS);
  • Contratualização: definição rigorosa dos actos de TM/TS pela ACSS.

A Sr.ª Presidente da Comissão de Saúde agradeceu a intervenção da APT e abriu a audiência aos membros da Comissão para colocar as questões e fazer as observações que entendessem por bem.

Intervieram então os Srs. Deputados membros da Comissão que, genericamente, elogiaram a elaboração do Estudo e a edição do Caderno APT n.º 1, e propuseram um conjunto de questões relacionadas com o desenvolvimento, aplicabilidade e estratégia de implementação da telemedicina.

Entre outras, foram colocadas as seguintes perguntas:

  • Qual o papel da telemedicina na hospitalização domiciliária?
  • A telemedicina esgota-se na teleconsulta ou há outras actividades de telessaúde que devam ser implementadas, designadamente a telemonitorização?
  • Considerando que o contacto visual parece ser essencial na teleconsulta, quem deverá ser envolvido na implementação da telemedicina?
  • O que será necessário para implementar a telemedicina a nível nacional?
  • Há diferentes sistemas informáticos que não comunicam uns com os outros: qual a situação da conectividade entre plataformas e qual o impacto na telemedicina?
  • O nível de interoperabilidade dos sistemas de informação da saúde encontra-se adequado à prática da telemedicina?
  • Qual o contributo da ACSS para o desenvolvimento da telessaúde?
  • Há formação específica que deva ser ministrada aos profissionais de saúde na fase actual?
  • Qual o nível de execução do Plano Estratégico (PENTS) apresentado pelo Centro Nacional de Telessaúde (CNTS)?

Perante o conjunto de questões colocadas a APT reafirmou as posições que tem defendido publicamente, e que maioritariamente se encontram plasmadas no Caderno APT n.º 1, para o qual voltou a chamar a atenção. Com efeito, as tipologias descritas no Capítulo 3, designadamente no seu ponto 2 (3.2), indicam as actividades cujo uso se inscreve na prática da telemedicina. Neste contexto, é desejável que actividades como, por exemplo, a telemonitorização sejam incluídas não apenas nos planos de hospitaliza-ção domiciliária, mas também, tipicamente, nas situações de patologia crónica, reduzin-do assim a necessidade de internamento. Contudo, não se deve perder de vista a necessidade da definição de critérios clínicos de elegibilidade que indiquem com clareza as patologias passíveis da prática da telemedicina.

O desenvolvimento da telemedicina no País passa primordialmente pela adopção de uma visão comum a nível nacional partilhada pelos diversos actores envolvidos, designadamente os profissionais de saúde e os cidadãos e utentes, de modo a garantir o alinhamento de estratégias e acções com a política de saúde expressa no Plano Nacional de Saúde, e a articulação e cooperação entre os diversos intervenientes no desenvolvimento e adopção da telessaúde. Com efeito, apesar dos esforços do Governo para o desenvolvimento da telessaúde no SNS, que culminou com a apresentação de um Plano Estratégico Nacional para a Telessaúde (PENTS), nenhum dos instrumentos criados teve consequências essenciais na adopção permanente e regular da telemedi-cina pelos profissionais de saúde.

O Centro Nacional de Telessaúde (CNTS), inserido nos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS), reparte a sua actividade entre as tarefas de prestação de serviços pelo Centro de Atendimento Permanente do SNS (o SNS24) que gere, e a de fomentar a implantação da telessaúde nas instituições do SNS.

Ocorre registar que as atribuições da SPMS [1] e do CNTS são a extensão uma do outro, porém questiona-se a adequação desta composição organizacional potenciadora de conflito de interesses, quer na área das plataformas tecnológicas, quer na área da construção das soluções procedimentais da telemedicina.

No contexto actual, a Associação Portuguesa de Telemedicina advoga a criação de uma função / estrutura responsável no País pela Transformação Digital na Saúde (TDS) que pugne pelo desenvolvimento do “ecossistema digital” no sector, mobilizando autoridades, reguladores, financiadores, prestadores, profissionais e cidadãos, mas também as Universidades, de modo a ampliar o conhecimento, a divulgação e a dinamização da utilização dos instrumentos da TDS, designadamente a telemedicina e a telesaúde.

Ocorre também referir a inexistência pública de qualquer monitorização da execução do PENTS, nem uma prática de transparência que permita perceber os contributos críticos incorporados, a participação dos diferentes intervenientes no processo nem, como referido, o impacto operacional da respectiva execução.

A ACSS tem – deve ter, um papel muito relevante no desenvolvimento da telessaúde, primordialmente através da clarificação dos conceitos de teleconsulta e de consulta não presencial, no âmbito do processo de contratualização, e, enquanto detentora do contrato-programa estabelecido com a SPMS, fixar o calendário necessário à concretiza-ção da interoperabilidade e da conectividade dos sistemas de informação da saúde, designadamente, na presente vertente, no que concerne à telessaúde. É conhecida a reclamação dos profissionais sobre a ausência de integração entre aplicações informáticas que os obriga, por exemplo, a proceder a identificações redundantes quer do utente quer de si próprios. No âmbito específico da telemedicina, acrescem as dificuldades colocadas pela SPMS à integração de dados, sempre que as plataformas e os programas de computador não sejam sua propriedade.

Do ponto de vista formativo a APT defende a revisão da estrutura curricular da formação médica – e das demais profissões de saúde, contemplando aspectos teóricos e práticos dos foros ético e legal, tecnológico e procedimental dos actos médicos/clínicos e de comunicação interpessoal (presencial e à distância).

 

A Sr.ª Presidente da Comissão agradeceu a disponibilidade da APT para a audiência salientando a utilidade e oportunidade da sessão, uma vez que, como já vários Srs. Deputados haviam referido, está em preparação uma Recomendação ao Governo sobre telemedicina que será proximamente apresentada em plenário, e da qual se espera uma ampla adesão de todos os parlamentares, independentemente do grupo político em que se inserem.

A sessão foi então encerrada ultrapassando largamente a duração inicialmente prevista confirmando o interesse dos membros da Comissão.

 

* Vice-presidente da Associação Portuguesa de Telemedicina

(O autor escreve de acordo com a ortografia anterior ao Acordo Ortográfico)

 

[1] “A prestação de serviços partilhados específicos da área da saúde em matéria de compras e logística, de serviços financeiros, de recursos humanos e de sistemas e tecnologias de informação e comunicação aos estabelecimentos e serviços do Serviço Nacional de Saúde (SNS), independentemente da sua natureza jurídica, bem como aos órgãos e serviços do Ministério da Saúde e a quaisquer outras entidades, quando executem actividades especificas da área da saúde.” in Decreto-Lei n.º 19/2010 de 22 de Março.