por Luís Velez Lapão*
* Global Health and Tropical Medicine, Universidade Nova de Lisboa; Membro da Direcção da Associação Portuguesa de Telemedicina; Membro da Rede CPLP para a Telemedicina e Auditor da Comissão Europeia

AOrganização Mundial da Saúde define telemedicina como a “entrega de serviços de cuidados de saúde cuja distância seja um factor crítico, por profissionais de saúde, utilizando as tecnologias de informação e comunicação para o intercâmbio de informações válidas para o diagnóstico, tratamento e prevenção de doenças e lesões, investigação e avaliação, e para a educação e formação contínua dos prestadores de cuidados, tudo no interesse de desenvolver a saúde dos indivíduos e das populações”. A flexibilidade das tecnologias digitais permite responder rapidamente, ajustando-se às necessidades em saúde de cada contexto social, possibilitando criar soluções inovadoras de prestação de serviços de saúde, como no caso das epidemias. Actualmente, a aplicação da telemedicina cobre teleconsultas, telediagnóstico, telemonitorização ou teletratamento, e representam uma oportunidade para responder ao desafio da globalização e do acesso universal aos cuidados de saúde. Com efeito, a telemedicina é um dos instrumentos que pode ajudar na resolução dos problemas de acesso aos cuidados, sobretudo agora, que em estado de emergência devemos estar todos confinados ao espaço das nossas casas, evitando deslocações aos centros de saúde e aos hospitais.

A telemedicina, suportada por um bom sistema de informação, pode fazer o acompanhamento de pessoas em isolamento e quarentena, bem como de populações de risco.

Lapão, 2020

Aplicação Potencial em situações Epidémicas

Em contexto de epidemia, e sobretudo em estado de emergência, a telemedicina pode ter um papel crucial e inovador, como já acontece em vários países que enfrentam o COVID-19. A utilização da telemedicina, como suporte logístico na comunicação e no acesso à saúde, pode acontecer desenvolver-se de cinco formas:

  1. Teletriagem. A triagem digital pode ser usada pelo SNS24 para complementar o uso dos protocolos no diagnóstico e no apoio à decisão. Concretamente à epidemia, poder-se-ia utilizar para responder a indivíduos assintomáticos, que vivam em zonas afectadas pela epidemia ou que tenham estado em contacto com alguém potencialmente infectado. A aplicação da telemedicina seria através da teleconsulta para comunicação directa com profissional de saúde (enfermeiro), e eventual envio de ambulância ou outro apoio, que ocorreria quando sintomas suspeitos fossem detectados.
  2. Televigilância. Esta segunda situação corresponde à aplicação da telemedicina no contexto domiciliar para vigilância e monitorização automática (e evitar o uso de chamadas telefónicas ad hoc) de acompanhamento de indivíduos assintomáticos identificados como contactos com doente infectado (e.g., pela saúde pública). As aplicações concretas já foram usadas durante o surto do vírus Ébola em África (2014). Também pode ser utilizado para acompanhar doentes crónicos ou de saúde mental, que ficam muitas vezes impedidos de ir ao centro de saúde.
  3. Telemonitorização. A terceira situação está relacionada a casos confirmados de sintomáticos de infecção que necessitem de isolamento e de serem devidamente monitorizados. Os exemplos deste tipo de utilização incluem pacientes isolados em Taiwan durante a epidemia de SARS (2003) e durante a gripe pandémica do H1N1 (2009), bem como pacientes infectados na China pelo vírus da gripe H7N9 (2013).
  4. Teleconsulta. A quarta situação envolve teleconsulta com especialistas, quando os recursos médicos locais (e.g. Centros de Saúde ou hospitais regionais) não possuem a perícia técnica para o diagnóstico ou tratamento de um paciente, e é necessário apoio dos centros de referência. Em Portugal temos a “Linha de Apoio ao Médico” já a funcionar para este efeito.
  5. TeleSaúde à distância. A quinta situação corresponde a um caso em que a unidade de saúde está fechada de quarentena (ou alguns dos seus médicos), onde se poderia usar a telemedicina para continuar a acompanhar os doentes que não podem aceder a unidade, como por exemplo ocorreu em Seul (2015) durante a epidemia de MERS.

Na área das especialidades hospitalares, a telemedicina também pode ter um grande impacto, para além do apoio na formação à distância (e.g. ensinar como vestir um Equipamento de Protecção Individual). Em especialidades cirúrgicas, como a Ortopedia, embora os procedimentos clínicos e cirúrgicos não urgentes estejam a ser adiados, até que a situação melhore, pode-se garantir a manutenção da qualidade do atendimento prestado aos doentes. A adopção da telemedicina e da telereabilitação permite que os doentes possam ser revistos no conforto de suas casas. Tecnologias como sensores “wearables”, e videoconferência podem ser usados para monitorizar os resultados dos doentes remotamente, sem os sujeitar a visitas hospitalares. Por exemplo, pode-se ver como está a amplitude de movimento do joelho após a artroplastia. Além da facilidade de monitorizar, a reabilitação assistida por tecnologia digital (e.g., plataformas educacionais on-line ou terapia baseada em jogos, como a Wii) também demonstram resultar em melhoras significativas na satisfação dos doentes e na redução da dor.

A telemedicina permite ainda melhorar os processos de decisão clínica, inclusive o apoio a Unidades de Cuidados Intensivos – UCI (…)

Lapão, 2020

A telemedicina em situações epidémicas tem ainda grande potencial no apoio à investigação epidemiológica, como seja o controlo de doenças, e a gestão clínica de casos. Com a telemedicina podem-se acompanhar os doentes 24/7: por exemplo alguns sintomas respiratórios podem ser acompanhados por uma webcam. Também algoritmos de triagem automatizados podem ser incorporados ao processo de admissão, e informações epidemiológicas locais podem ser obtidas para padronizar a triagem. Contudo, como a sua aplicação deve ser apoiada por especialistas e investigadores que garantam a sua boa integração, segurança e rigor dos dados. Com esta abordagem estaríamos a alargar a oferta de acesso a serviços de saúde, evitando filas e aglomerações desnecessárias. A telemedicina, suportada por um bom sistema de informação, pode fazer o acompanhamento de pessoas em isolamento e quarentena, bem como de populações de risco. A telemedicina permite ainda melhorar os processos de decisão clínica, inclusive o apoio a Unidades de Cuidados Intensivos – UCI, como seja desenvolver programas de monitorização digital (e-ICU, em inglês), que em alguns hospitais dos Estados Unidos permitem que enfermeiros, e médicos, acompanhem remotamente dezenas de pacientes em UCIs localizadas em hospitais distantes.

Mas fundamentalmente, o grande valor da aplicação da telemedicina é que pode reduzir significativamente os riscos de novos contágios.