por Carlos Pereira Alves*
* Presidente da APDH – Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar
Professor de Cirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa
Governor do HOPE Board of Governors, Federação Europeia dos Hospitais

3 Reflexões

A atual pandemia veio colocar na ordem do dia e realçar a importância e possibilidades das tecnologias, nomeadamente as digitais, permitindo atividades e relacionamentos virtuais.

Tecnologias são progresso se bem utilizadas, contribuindo para a libertação do homem de limitações da natureza. Mas é bom ter presente que o progresso pode ser negativo e até perverso. Devemos combater o negativo e evitar o perverso.

A primeira reflexão é de ordem geral

Levou-me a recordar a Cidade e as Serras de Eça de Queiroz. O nosso príncipe Jacinto era um apaixonado das tecnologias, apaixonado pela cidade das luzes, Paris, pelo Iluminismo.

Haverá progresso se houver razão e ciência, embora com alguns acidentes, como o “encalhar” do peixe no elevador (se não se lembram é altura de reler). Mas foi na Serra, que descobriu a importância dos sentimentos e emoções, que descobriu do Romantismo, ou seja, o gosto pela vida.

Mas, numa feliz integração de Iluminismo e Romantismo providenciou instalar melhores condições de vida aos residentes da Serra (por ex. banheiras), bem como instalar uma rede telefónica, da casa de Tormes para o Médico e para o seu amigo Zé Fernandes.

Talvez seja esta a solução, conjugar a razão, sentimento e emoções. Conjugar a saúde física e a saúde mental. A doença e o doente. A saúde global, que ultrapassa as paredes dos consultórios e se insere na situação socio económica, educação e cultura do doente. O analfabeto não é saudável.

A segunda reflexão é no campo específico da medicina, dos cuidados virtuais, da teleconsulta, telemedicina.

As consultas virtuais, aumentaram em semanas dez vezes mais nos USA, devido à pandemia. Na China as seguradoras concordaram em pagar a consulta virtual, com médicos a fazer 100 ou mais consultas diárias (Lancet/ Abril 2020). Talvez um negócio da China.

Em Portugal as teleconsultas têm sido 52%, na pandemia tudo isto representa uma enorme transformação da prática da Medicina. É evidente que tal transformação foi imposta pela pandemia, não resultou de uma escolha ou decisão dos médicos e dos doentes.

Será que tal transformação veio para ficar? Espero e desejo que não. A consulta médica é por essência presencial.

O virtual, a distância, podendo até ser mais barata e mais rápida nunca, no entanto, substituirá o exame físico (observação) e a conversa (história clínica), nunca substituirá a qualidade humana do convívio. Como me dizia um doente, convívio à distância não é convívio. No entanto, as tecnologias serão progresso se bem utilizadas. São inúmeras as vantagens e possibilidades da telemedicina/teleconsulta.

Desde logo, não se justifica marcação presencial de consultas, de exames complementares, de monitorização de exames ou análises. Os exames de imagem devem ser de acesso digital.

A existência de um processo clínico informático em rede de acesso a todos profissionais reduz a repetição de exames, a receita eletrónica mostrou vantagens e entrou na rotina.

Na fundamental relação medico-doente caberá ao médico saber quando e como poderá ter lugar a teleconsulta.

Por outro lado, em circunstâncias que não permitem a medicina presencial, a telemedicina é a solução como é bem exemplificativo o protocolo da Universidade de Coimbra (do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra) com Cabo Verde.

A terceira reflexão é de preocupação.

“Nada será como dantes”. “Nova normalidade”. Expressões que ouvimos, vemos e discutimos.

Os analistas transformados em cientistas. Os cientistas transformados em analistas. Nunca se regressa a nada. A sociedade é ela e as suas condicionantes. Tudo se transforma… A “pílula anticoncecional” e a “mini-saia“, estiveram na origem de uma “nova normalidade”.

Só que essa normalidade, foi provocada, aceite e desejada pelo homem.

O virtual, a distância, podendo até ser mais barata e mais rápida nunca, no entanto, substituirá o exame físico (observação) e a conversa (história clínica), nunca substituirá a qualidade humana do convívio. Como me dizia um doente, convívio à distância não é convívio. No entanto, as tecnologias serão progresso se bem utilizadas. São inúmeras as vantagens e possibilidades da telemedicina/teleconsulta.

A pandemia é imposta pela natureza, não sei se provocada pela interferência do homem no equilíbrio ecológico, mas sei que não desejada, pelo contrário, rejeitada e combatida, pelo que se exige espirito crítico no aceitar das alterações, na prestação de serviços de saúde a que a pandemia obriga e na sua continuidade futura, no veio para ficar.

É obrigatório espírito crítico em aceitar a “nova normalidade” de teletrabalho, teleconsulta, telemedicina.

No respeitante ao mundo da saúde, parece evidente que haverá uma grande transformação digital no SNS. Mas para mais tarde não lamentarmos devemos estar vigilantes.

É preciso que números não vençam as evidências da prática clínica e individual. É preciso que a tecnologia não vença o humanismo. É preciso que a tecnologia seja um meio complementar facilitador da decisão, mas não decisor.

Novas abordagens de acesso aos Serviços de Saúde, novos modelos de prestação de serviços, não devem esquecer o doente na sua globalidade, socioeconómica, cultural e comportamental.

O Homem foi, é, e deverá ser, um animal social. A proximidade e o convívio são elementos essenciais da saúde e bem-estar.

Última reflexão

O que seria o “confinamento” sem Livros e Música?

E sem televisão acrescenta um amigo.

Mas televisão é Livros e Música.