por Miguel Castelo Branco*
* Professor Catedrático e Presidente da Faculdade de Ciências da Saúda da Universidade da Beira Interior

Atelemedicina, realização de uma atividade médica à distância, usando tecnologias de comunicação, tem sido progressivamente facilitada sob o ponto de vista tecnológico, com a capacidade de transferir quantidades cada vez maiores de informação à distância usando as várias soluções de transmissão de dados. A incorporação da imagem e a democratização das redes permite hoje soluções antes apenas ficcionadas. A crise da pandemia COVID19 veio dar um impulso adicional na sua incorporação como processo do quotidiano.

Apesar de constituir uma ferramenta notável permitindo o acesso a consultas especializadas ou a conferências com especialistas sem a necessidade de deslocações físicas, a sua inclusão nos sistemas de saúde tem sido irregular e muito mais lenta do que o possível. Ao contrário do que em certa altura foi insinuado, que a telemedicina servia apenas para aqueles que fisicamente não conseguiam aceder a cuidados, vivendo em regiões remotas, ou em áreas de acesso ao sistema de saúde diminuída, pelo contrário, a telemedicina permite que sejam acedidos os melhores especialistas, e até dentro de uma cidade pode ser usada e não depende da disponibilidade local.

Depois veem as crises como a atual a convidar muitas atividade clínicas a serem feitas em formato “tele”… Melhor do que não haver atendimento, sem dúvida, estas crises epidémicas, geralmente estão associadas a agravamento dos cuidados a doentes crónicos e, pelo menos em parte, o seu uso pode ter contribuído para reduzir o impacto negativo. Mas teve uma vantagem adicional, serviu para se compreender que afinal funciona para substituir de forma adequada consultas presenciais que apenas a tradição e o domínio dos processos mantinham.

Numa época em que os cuidados médicos são cada vez de maior especialização e em que é necessário articular equipe, a telemedicina vem facilitar a articulação e a obtenção das melhores decisões para os doentes em que os próprios também podem participar.

Um desafio para os tempos atuais neste domínio da organização do serviço nacional de saúde é mesmo o da necessidade de existirem redes de acesso de consultoria. O que ainda persiste maioritariamente é o modelo que eu designo de linear e em série: o doente que vai sucessivamente a várias especialidades com pouca, ou nenhuma integração, tem que ser substituído pelo modelo de existir um médico coordenador de cuidados e uma rede de contactos que em função das necessidades efetivas e dos princípios racionais de melhor gestão e de eficiência, usa a consulta presencial ou a teleconsulta e converge os planos para uma maior integração em que o doente apoiado pelo seu médico assistente passa a ter um papel mais relevante.

Sem prejuízo das diversas aplicações em áreas como a DPOC, a insuficiência cardíaca entre outras, uma área da telemedicina que me interessa é a da telemonitorização e particularmente a da pressão arterial. Sabe-se que a pressão arterial elevada pode, a prazo, vir ocasionar lesões em órgãos alvo e doença, sendo que está demonstrado que o adequado controlo tensional reduz, efetivamente o risco. Sabe-se também que as medições de pressão que melhor se correlacionam com o impacto são as de ambulatório, logo em consequência a telemonitorização pode ter um papel importante no acompanhamento do doente com hipertensão.

Numa época em que os cuidados médicos são cada vez de maior especialização e em que é necessário articular equipe, a telemedicina vem facilitar a articulação e a obtenção das melhores decisões para os doentes em que os próprios também podem participar.

Então se assim é porque a sua implementação é tão diminuta? A minha interpretação é que há várias razões para isso, uma primeira é que os sistemas de medição e transmissão ainda não estão no ponto de usabilidade facilitada, uma segunda é a persistência de sistemas específicos de marca e pouco interoperáveis, uma terceira é o que fazer da multiplicidade de informação gerada, particularmente do ruído (medições mal feitas, etc.) e depois como integrar esta informação na gestão corrente do doente, desde a inserção da informação no processo clínico eletrónico até ao uso da informação para decisão clínica.

Na realidade apesar de se falar na medicina centrada no doente, ainda predomina a medicina centrada no sistema e na sua organização. Estes problemas dão azo a mais investigação e a inovação: há uns meses terminámos na Universidade da Beira Interior um estudo com um sistema de medição de pressão arterial sem braçadeira que veio mostrar a sua validade.